Álvaro Cunhal
Morreu outro homem de causas. Quando escrevi este post sobre Arafat, escrevi-o a pensar em Álvaro Cunhal. E fui sempre pensando no que escreveria quando este momento, que se adivinhava próximo, chegasse. Cunhal sacrificou a vida inteira em prol da causa comunista. Lutou por ela e acreditou nela de tal forma que nem com a queda do Muro e o colapso da URSS alteraram as suas convicções. Também, seria porventura demais pedir-lhe isso. Não deve ser fácil lidar com o desmoronar de tudo aquilo por que se sacrificou uma vida inteira. A amargura que sentiu nestes últimos 15 anos apenas podemos imaginá-la. A vida ascética que levou, e os sacrifícios por que passou podemos conhecê-los com algum detalhe, por exemplo graças a Pacheco Pereira e à sua ?Biografia Política?. Como já escrevi, nutro particular admiração por este género de pessoas, que põem uma causa acima da própria vida. No caso de Álvaro Cunhal, soma-se a isso o facto de ser um personagem extremamente interessante, a todos os níveis.
Por isso, avaliar Álvaro Cunhal pelo que ele fez nos últimos 30 anos, ou pior ainda, entre 1974 e 1975, é extremamente redutor. Cunhal foi muito mais do que isso, para bem dele e do país. Cunhal foi durante décadas o principal rosto da resistência ao fascismo (embora haja quem defenda que Salazar não era fascista*). Apesar da concepção de liberdade que Cunhal tinha não fosse exactamente a que eu tenho, o facto é que foi ele e outros como ele que lutaram e sofreram a bom sofrer para que eu e outros como eu hoje estejamos a viver numa democracia. Sim, foi a esquerda quem se opôs e lutou activamente contra o regime. É, pois, à esquerda (e a um grupo de militares descontentes) que devemos a liberdade. A direita, essa, vivia no interior do regime e à sombra deste (Sá Carneiro, por exemplo, foi deputado à Assembleia Nacional), porventura esperançada, mas aparentemente sem se esforçar muito, que o regime mudasse e acabasse por evoluir para uma democracia. De resto, as suas virtudes democráticas só se tornaram públicas com o 25 de Abril (vide Freitas do Amaral que, nas palavras do próprio, ditas na campanha para as presidenciais de 85, nasceu para a política no 25 de Abril, embora na altura já fosse crescidinho).
Apenas tive o privilégio de lhe apertar a mão por uma vez. Foi precisamente há 20 anos, em Moscovo, quando as nossas concepções do mundo eram parecidas. Hoje, mesmo com tantas diferenças entre os nossos pensamentos, deixa-me saudades. Resta o seu inimigo íntimo, Mário Soares, como último representante de uma geração de políticos como não há hoje.
* A bem dizer, no sentido estrito do termo, nem Hitler era fascista. Fascista era Mussolini. Enfim, retóricas de uma direita incomodada com as suas ideias.
Por isso, avaliar Álvaro Cunhal pelo que ele fez nos últimos 30 anos, ou pior ainda, entre 1974 e 1975, é extremamente redutor. Cunhal foi muito mais do que isso, para bem dele e do país. Cunhal foi durante décadas o principal rosto da resistência ao fascismo (embora haja quem defenda que Salazar não era fascista*). Apesar da concepção de liberdade que Cunhal tinha não fosse exactamente a que eu tenho, o facto é que foi ele e outros como ele que lutaram e sofreram a bom sofrer para que eu e outros como eu hoje estejamos a viver numa democracia. Sim, foi a esquerda quem se opôs e lutou activamente contra o regime. É, pois, à esquerda (e a um grupo de militares descontentes) que devemos a liberdade. A direita, essa, vivia no interior do regime e à sombra deste (Sá Carneiro, por exemplo, foi deputado à Assembleia Nacional), porventura esperançada, mas aparentemente sem se esforçar muito, que o regime mudasse e acabasse por evoluir para uma democracia. De resto, as suas virtudes democráticas só se tornaram públicas com o 25 de Abril (vide Freitas do Amaral que, nas palavras do próprio, ditas na campanha para as presidenciais de 85, nasceu para a política no 25 de Abril, embora na altura já fosse crescidinho).
Apenas tive o privilégio de lhe apertar a mão por uma vez. Foi precisamente há 20 anos, em Moscovo, quando as nossas concepções do mundo eram parecidas. Hoje, mesmo com tantas diferenças entre os nossos pensamentos, deixa-me saudades. Resta o seu inimigo íntimo, Mário Soares, como último representante de uma geração de políticos como não há hoje.
* A bem dizer, no sentido estrito do termo, nem Hitler era fascista. Fascista era Mussolini. Enfim, retóricas de uma direita incomodada com as suas ideias.