TASCA DA ESTAÇÃO

23.1.05

A intolerável intolerância da esquerda caviar

Estava eu outro dia almoçando uma magnífica açorda de sável na Lúria, quando vejo no rodapé do Telejornal da SIC a magnífica tirada do Louçã retirando o direito ao Paulo Portas de se pronunciar sobre o direito à vida por nunca ter gerado uma vida. Até me ia ficando uma espinha entalada na garganta (ficou-se pela gengiva...). Que fique claro: defendo a despenalização do aborto. No entanto, recuso-me a alinhar pela cartilha do Bloco de Esquerda (aliás, recuso-ma a alinhar por qualquer cartilha, sobre esta matéria ou qualquer outra), reveladora de intolerância inquisitorial, tantas vezes já revelada, mas nunca tão claramente como agora. Ficámos todos a saber que, se o BE mandasse - felizmente, não manda, e desde já aqui afirmo, a quem me quiser ler, que prefiro mil vezes uma maioria absoluta do PS do que uma coligação PS-BE -, quem não tem filhos não poderia ter opinião sobre o aborto. Façamos um pequeno exercício de extrapolação: quem não tem filhos, não pode (também) falar sobre educação; quem nunca foi à tropa não pode falar sobre defesa; quem é virgem não pode pronunciar-se sobre o uso do preservativo; quem nunca estudou economia, não pode pronunciar-se sobre o défice; quem nunca governou um país não pode criticar quem o governa; quem não conduz não pode falar sobre as SCUTS; quem é saudável não pode falar sobre as listas de espera; quem é hetero não pode falar sobre casamentos gay; etc, etc, etc.

Por estas e por outras é que outro dia, em animado jantar, quatro manos - entre os quais eu - concluíam já pouco ou nada ter a ver com a esquerda: nem com a tradicional (incarnada pelo defunto PCP) nem com esta gauche caviar do BE, hipócrita, reaccionária e profundamente intolerante para quem não alinha pela sua cartilha. É um bocado como o Bush: quem não está connosco, está contra nós.

Ah: e adorei ver o Daniel Oliveira defender a voz do dono. Felizmente, existe mais Barnabé para além do Daniel Oliveira.