TASCA DA ESTAÇÃO

20.12.05

A água

O candidato Manuel Alegre diz e repete que, caso seja eleito presidente, dissolverá toda e qualquer Assembleia que suporte Governo que queira privatizar a água.

Com franqueza, já não há paciência para este discurso de "cuidado, vêm aí os papões dos privados a querer roubar um bem precioso e que pertence a todos". Pois pertence. No entanto, pequeno pormenor: a água, para ser bebida e utilizada tem que ser captada, tratada, distribuída. As águas residuais idem. E, para isso, é preciso dinheiro, muito dinheiro. E competências próprias. Que, está demonstrado, o Estado não tem. Nem um nem outras.

Desmistifiquemos pois a questão: não há privatização "da água". Há, sim, privatização das concessionárias, as quais não são propriamente donas da água. São, isso sim, donas das infra-estruturas. Mas (mais um pequeno detalhe) a concessão rege-se por um contrato. Com obrigações de ambas as partes. E que pode ser denunciado, por exemplo, no caso de incumprimento por parte da concessionária.

(outro detalhe: os privados não são, ao contrário do que certa esquerda quer fazer ver, um bando de malfeitores. Os privados criam riqueza, emprego, movem a economia. Têm fins lucrativos? Ah, pois, os malandros, só pensam em ganhar dinheiro. Poupem-me...)

De resto, e voltando ao tema do post, o actual modelo das Águas de Portugal, com empresas multimunicipais participadas a 51% pela holding AdP e a 49% pelos municípios, está a falhar em (mais um) pequeno pormenor: os municípios podem ter-se livrado da chatice que é tratar da água (potável e residual), para os quais não tinham um mínimo de competências (salvo raras excepções), mas cabe-lhes na mesma entrar com boa parte da massa. Como está bom de ver, desse pormenor (pequeno, como todos os aqui elencados) os municípios esquecem-se com facilidade. Em resultado, as empresas multimunicipais estão asfixiadas: as câmaras não pagam e a solução é o endividamento junto da banca. O caso da SimTejo (que inclui os municípios de Lisboa e Loures) é o mais evidente, desde que Santana Lopes embirrou que não pagava. Esta semana, no Jornal do Fundão, são as Águas do Zêzere e Côa que se queixam que ainda não viram um tusto das câmaras.

Estão a ver o problema? Quer-se a água pública, com infra-estruturas topo-de-gama e uma cobertura de nível europeu, mas ninguém quer pagar, ou tem dinheiro para pagar a sua operação e manutenção (já que a construção é, para nossa sorte, comparticipada pelo Fundo de Coesão). Fique a água nas mãos do Estado e daqui a uns anos teremos um monte de infra-estruturas a funcionar mal (ou a não funcionar de todo), água de má qualidade, um serviço deplorável, perdas da ordem dos 80 ou 90%. Tudo por falta de dinheiro.

Entretanto, em todo o mundo, os sistemas de tratamento e distribuição de água são concessionados (não vendidos: con-ces-sio-na-dos) a privados. Que se responsabilizam pela construção, operação e manutenção das infra-estruturas, recebendo o correspondente pagamento em troca. E, que se saiba, não há nenhum povo cuja água é gerida pelos malandros dos privados a morrer de sede. Pelo contrário, são os privados quem consegue garantir as condições para fazer chegar água potável a milhões de pessoas que, de outro modo, continuariam a beber água contaminada e a morrer de uma série de doenças daí resultantes, pois os governos desses países não teriam qualquer capacidade de construir as infra-estruturas necessárias. Claro, depois lá vêm os alarves anti-globalização dizer que os malandros dos privados andam a cobrar dinheiro aos pobres dos índios chiapas ou o raio que os parta. Se calhar é melhor deixá-los morrer periodicamente de surtos de cólera e afins, não? Sempre se faz algum controlo populacional...

É que água de borla não há, ou alguém ainda duvida disso?