TASCA DA ESTAÇÃO

31.3.05

Diários de Páscoa (em diferido) - II

Sexta, 24

Dói-me a cabeça. Logo passa com a bela alheira ao almoço. Sim, é Sexta-feira santa, e depois? É dia de passar a tarde a transportar uma mobília herdada. Faz sempre impressão remexer nas coisas dos mortos. Ver uma casa onde fui muitas vezes completamente desmanchada. Mas enfim, a vida continua e a mobília até é engraçada. Entretanto, sei-o mais tarde, as más companhias passam a tarde a mamar copos no Alcambar. Olha para onde lhes havia de dar, um tasco manhoso onde eram para ser umas bombas de gasolina que nunca o foram, no limite norte do Fundão.

Hora de jantar: a velha guarda está quase toda reunida, o que nos dias que correm é raro. A noite adivinha-se comprida. O restaurante do Alfredo é porto seguro. Come-se bem, bebe-se a condizer, confraterniza-se ainda mais. Abençoados avós que nos ficam com as criancinhas.

Uma da manhã (hey!): chove a potes e já está tudo bem regado, pelo que entramos num boteco meio-vazio ali ao pé. Como se a música estivesse uma merda, um de nós pede algo para gente como nós, isto é, a caminho dos 40. O rapazinho do bar confunde-nos com os avós e mete música dos anos 50 ou que raio aquilo era. Vamos a ver, e o melhor que tem para lá é Santana. Resigno-me, afinal quem gosta de Marilyn Manson, Metallica ou Rammstein está habituado a estas coisas. A propósito, aposto com uma das más companhias (quiçá a pior) que lhe pago a noite de copos se conseguir que o DJ do English passe Marilyn Manson.

Duas da manhã (hey!): o último tasco aberto é aquela coisa a que chamam discoteca, o English. De há um bom par de anos para cá, aquilo tem sido sempre a descer. Entro e confirmo os meus piores receios: uma banda de música(?) entoa o "SLB". Entro na festa. Subo a escadaria, estico os pais-de-todos de ambas as mãos e junto-me ao coro, mas cantando a versão alternativa: a que substitui "glorioso" pelo mais adequado "filhos da puta". Nada de pessoal, meus caros lampiões, é só clubite. Felizmente, ou ninguém me ouve ou ninguém me liga, a bem da minha integridade física. E se a coisa começou bem, continuou a preceito. Às tantas era o tira o carro, mete o carro na garagem da vizinha. Para tornar a cena mais parecida com uma festa de aldeia em Agosto, já havia bailarico de mulheres a dançar com mulheres (a propósito de mulheres, estava lá a mulher do patrão, que só por si justifica uma visita àquele palheiro). Sinto-me esmagado: o único gesto reflexo é ir ao bar buscar imperiais. Tento a pista principal. Pum, pum, pum, pum, só me lá aguento porque estão lá duas miúdas de umbigo à mostra e mamas saltitantes. E porque há um bar nessa zona.

Não sei quantas da manhã: uma das más companhias já não fala. Limita-se a oscilar, para a frente e para trás. Entretanto, a banda toca o anel de rubi do Rui Veloso. Na pista, Streets of Fire. Penso seriamente no suicídio. Reconsidero: mais umas imperiais e uma mirada às duas miúdas, à mulher do patrão (aka 747) e a uma quarentona-a-caminhar-para-os-cinquenta que dá dez a zero à filha de vinte e tais. Apesar de tudo, começo a ficar farto. Como é evidente, ganhei a minha aposta.

Cinco da manhã (hey!): hora de sair. De mansinho, para que nenhuma das más companhias, a esta hora já para lá de Abidjan, tente qualquer manobra de resgate. Sucesso absoluto. Horas de ir para a cama. E, de noites, estamos conversados. A partir daí, será vegetar o mais possível até à hora do regresso a Lisboa.